Ao passar pelo face hoje cedo sou surpreendido com a notícia do falecimento de Tonho da Lua. Não pelo perda em si, a morte nos levará a todos, mas ao fato de descobrir que ele não era uma figura mítica que desaparecia e reaparecia pelas ruas da cidade. Enfim, era homem de carne e osso e que chegou ao seu fim.
Rei do Cai Pau, para os frequentadores da Estrela, mas para toda a cidade, Antônio Ferreira era a figura mais ilustre das ruas da cidade, conhecido por todos como “Tôim da Lua”. Pelas ruas da cidade de longe se ouvia sua voz grave e áspera gritar: “- Óóóóiáááhhh!” e e estava feita a festa, todo mundo sabia – lá vem Tôim da Lua! – as senhoras se “avoroçava” os meninos corriam… Tudo se agitava, pra ver o Tônho passar. Desde pequeno o conheço, mas o medo dele nunca me tocou o coração, fui criado na sacristia da catedral, onde ele era assíduo visitante. Lá conheci dele a pessoa dócil que chamava a nossa saudosa Memé de mãe e ela o cuidava com igual ternura. Sentava-o pra assistir a missa nos seus melhores dias, noutros não tão bons, recebia seu trocadinho e ia embora seguir sua sina.
Viveu uma vida abandonado na rua e a bebida já tinha tomado uma proporção para além do vício, tornou-se algo que o ajudava a sobreviver e a levantar no outro dia, fez necessidade para adormecer seu cotidiano sofrido.
Lembro de seu andar encurvado e cambaleante, porém nunca tive notícia de que tropeçara alguma vez e tenha caído, era astuto, astúcia própria dos que vivem nos intempéries das ruas. Seus olhos quase fechados e sobrancelhas baixas, suas barba sempre grande e por fazer, sua boca, quando esboçava um sorriso era fechada e mostrava os finos lábios. Como esquecer o seu “- Óóóóiáááhhh!” e logo em seguida, “Páááhhh”, batia suas mãos?
Antônio Ferreira, o “Tôim da Lua” é mais do que um louco de rua, é mais uma figura de nossa história que se vai. Na rua sofreu com os que não o compreendiam, que o expulsavam por conta de seu cheiro, uma figura marginalizada, mais um excluído, que por motivos que, só Deus, sabe se perdeu em si e na bebida. Ele é mais um de muitos outros que sofreu e sofrem nas ruas, que se escondeu num copo de bebida pra poder amanhecer mais um dia.
Entre duas aparecidas e desaparecidas o tempo e a bebida foi lhe jogando o peso dos próprios atos e foi, ele, silenciando, o olhar entristecendo, andando pela rua esperando o próximo gole, não se ouvia mais a sua voz grave, áspera e alta pela cidade, teve tempo que correu um boato que tivesse morrido e qual não foi o meu choque um bom tempo depois encontrar com ele na rua, mas já não era mais o mesmo não me reconhecia mais, mal respondia ao que se perguntava como se mal estivesse ali, ao mesmo tempo senti a alegria do reencontro e de saber que estava vivo.
Morreu “Tôim da Lua”, partiu desse mundo e enfim encontrou o repouso na morada eterna. Em seus últimos tempos, teve grande cuidado pela turma do CAPS, tirou, CPF e RG, aposentou-se, teve um pouco de dignidade garantida, tornou-se cidadão no papel.
Descanse em paz Antônio Ferreira, sempre ficará guardado em nossa memória, fica aqui minhas condolências aos bancos de praça e as calçadas, meus pêsames aos céus que lhe cobria a noite, meus sentimentos de pesar aos botecos e as ruas da cidade.
José Carlos C. Santos
Maestro e Psicanalista
Voc. CSCJ-OFM