Um estudo publicado na revista científica ‘The Lancet’ contesta a teoria de que o consumo moderado de álcool “protege” as pessoas contra acidentes vasculares cerebrais (AVC). De acordo com a pesquisa, o efeito é exatamente inverso: a ingestão de álcool “aumenta diretamente” a pressão sanguínea e o risco de derrame.
A investigação, desenvolvida por especialistas da Universidade britânica de Oxford, da Universidade de Pequim e da Academia Chinesa de Ciências Médicas, acompanhou durante cerca de 10 anos, através de registros hospitalares e de mortalidade, 512.715 pessoas da Ásia Oriental, dos quais 210.205 eram homens e 302.510 mulheres.
Após observação dos dados coletados, os cientistas apresentaram “novas provas” que “contestam” a hipótese de que beber moderadamente pode proteger contra o risco de AVC.
“Nas populações da Ásia Oriental existem variantes genéticas comuns que reduzem a tolerância ao álcool, uma vez que causam uma reação extremamente desagradável após o seu consumo. Embora as variantes genéticas reduzam a quantidade de pessoas que bebem, elas não estão relacionadas com outros fatores, como o estilo de vida ou o tabagismo, portanto, podem ser usadas para estudar os efeitos causais da ingestão de álcool”, esclarece a revista científica em comunicado.
Segundo Iona Millwood, principal autora do estudo e investigadora da Unidade de Pesquisa de Saúde Populacional da Universidade de Oxford, citada no documento, “usar a genética é um novo método de avaliar os efeitos do álcool sobre a saúde e descobrir se a bebida moderada é realmente protetora ou prejudicial”.
Em 161.498 dos mais de 500 mil participantes, os investigadores mediram as duas variantes genéticas, a ALDH2-rs 671 (variante que retarda a quebra de etanal, produto da metabolização do etanol no organismo e a substância responsável pela ressaca) e ADH1Brs1229984 (variante que acelera a conversão de álcool (etanol) para etanal), e concluíram que as variantes “diminuíram a ingestão de álcool” assim como “diminuíram a pressão arterial e o risco de derrame”.
“Os investigadores concluíram que o álcool aumenta o risco de acontecer um derrame em cerca de um terço (35%) por cada quatro doses adicionais por dia (280 gramas de álcool por semana), sem efeitos protetores associados a ingestão leve ou moderada”, aponta o comunicado.
Também citado no texto, Zhengming Chen do departamento de saúde da população de Nuffield, da Universidade de Oxford, adianta não existirem “efeitos protetores contra o derrame da ingestão moderada”. Ainda segundo ele, “as descobertas foram menos claras para o ataque cardíaco” e, por isso, a equipe de investigadores está planejando recolher mais evidências.
O comunicado acrescenta que cerca de dez mil dos homens que foram acompanhados no decorrer da investigação “tiveram um derrame” e que dois mil “tiveram um ataque cardíaco”, ao contrário das mulheres.
“Na China, são poucas as mulheres que bebem álcool (menos de 2% das mulheres do estudo bebiam na maioria das semanas, e, quando bebiam consumiam menos que os homens), e as variantes genéticas que causam intolerância ao álcool tiveram pouco efeito sobre a pressão arterial ou o risco de derrame”, salienta o estudo, acrescentando que este fato “ajuda a confirmar que os efeitos dessas variantes genéticas no risco de AVC em homens foram causados pelo consumo de álcool e não por outro mecanismo”.
A pesquisa estima ainda que, entre os homens chineses, o álcool é a causa de 8% dos coágulos no cérebro, assim como de 16% das hemorragias no cérebro.
Liming Li, da Universidade de Pequim, concluiu que, sendo o AVC “uma das principais causas de morte e incapacidade”, o presente estudo deverá servir para “ajudar a informar as escolhas das pessoas e as estratégias de saúde pública”.
Também Tai-Hing Lam e Au Yeung, da Universidade de Hong Kong, salientam, num comentário vinculado ao artigo, que à semelhança da Convenção Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controle de Tabaco deve ser criada uma convenção “para o controle do álcool”, uma vez que a indústria está prosperando e que “deve ser regulamentada”, tal como a indústria do tabaco.
O estudo foi financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia da China, Kadoorie Charitable Foundation, de Hong Kong, Fundação Nacional de Ciência Natural da China, Fundação Britânica do Coração, Cancer Research UK, pela farmacêutica GlaxoSmithKline, Conselho de Pesquisa Médica e Wellcome Trust do Reino Unido. Com informações da Lusa.